Um experimento realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) com modelos genéticos traz novos indícios de que a doença de Parkinson pode ter origem periférica, no sistema nervoso autônomo – isto é, na parte do sistema nervoso situada nos diversos órgãos do indivíduo – e não exclusivamente no cérebro, como acredita a maior parte dos neurologistas e neurocientistas.
De acordo com o coordenador do estudo, Antonio Augusto Coppi, esteorologista e professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, a identificação de uma nova rota de origem do Parkinson é um passo importante para que os cientistas possam, no futuro, desenvolver uma técnica de diagnóstico precoce.
“Até o momento a doença é incurável e o foco do tratamento é melhorar a qualidade de vida do paciente. Para isso, é fundamental que o diagnóstico seja feito o quanto antes. Começando o tratamento precocemente, poderemos retardar o aparecimento da doença ou suavizar seus sintomas”, disse Coppi .
O experimento foi realizado com 20 camundongos geneticamente modificados e faz parte de um dos três projetos atualmente coordenados por Coppi e financiados pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa –Regular. O cientista é responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA) da FMVZ-USP.
“Esses camundongos são alterados geneticamente para expressar o gene da alfa-sinucleína, um dos principais genes implicados na doença de Parkinson, assim como ocorre em humanos. Adquirimos animais com um mês de idade e os analisamos com três e seis meses, para observar o surgimento e a cronologia de evolução da doença. Em todos os 20 camundongos confirmamos que a doença teve origem em órgãos periféricos e só depois atingiu o cérebro”, explicou.
Ao investigar o local de origem da doença, um dos objetivos do estudo é entender o mecanismo pelo qual a doença afeta o coração. Cerca de 30% dos pacientes com Parkinson morrem de problemas cardíacos.
“Uma das perguntas que ainda permanecem é: se a doença afetaria primeiro as células nervosas do coração e só depois acometeria o músculo do miocárdio, ou se ocorreria o contrário. Estimamos que até o fim de 2011, quando se encerra o projeto, possamos nos aproximar de uma resposta. A partir daí, vamos apresentar os dados no 19º Congresso Mundial de Parkinson e Desordens Relacionadas, que será realizado na China em dezembro e, em seguida, publicar os estudos em revistas científicas internacionais com arbitragem”, disse.
O grupo já havia feito experimentos semelhantes com base em um modelo químico, injetando em animais drogas que simulavam a doença de Parkinson. Os resultados, segundo Coppi, foram muito satisfatórios, mas, com o uso da droga, é difícil saber se os sintomas apresentados pelos animais são provenientes do Parkinson ou de alguma neurointoxicação causada pela própria droga.
“O modelo genético é muito mais fidedigno. Por isso, no fim de 2009, pedimos à FAPESP recursos adicionais para adquirir os camundongos geneticamente modificados. O acompanhamento que fizemos consistiu em análises esteorológicas microscópicas de três e quatro dimensões, combinadas com análises funcionais, bioquímicas e comportamentais”, disse.
Os animais doentes com seis meses já apresentavam alterações periféricas muito maiores que as dos animais com três meses. Um dos aspectos inéditos da pesquisa, segundo Coppi, foi o uso da estereologia – uma ciência em expansão que permite a contagem minuciosa de partículas em 3-D e 4-D . O LSSCA da FMVZ é o único representante da Sociedade Internacional de Estereologia na América do Sul e ministra treinamentos, cursos e workshops visando a formação, capacitaçaõ e reciclagem continuada de pesquisadores nessa área.
“Conseguimos visualizar o coração dos animais em quatro dimensões – isto é, todas as dimensões do volume variando ao longo do tempo – e com isso observamos com muita precisão as alterações na estrutura do miocárdio, do plexo nervoso e do sistema excito-condutor cardíaco”, disse.
Em busca de marcadores biológicos
De acordo com Coppi, classicamente, a doença de Parkinson surge na parte do cérebro conhecida como corpo estriado, que é um dos chamados gânglios da base, onde ocorre a diminuição ou ausência da produção de dopamina. “Estamos mostrando que nem sempre isso é verdade. Nosso trabalho não nega a teoria antiga, mas avança o conhecimento ao apontar que não há uma rota exclusiva para a origem da doença”, afirmou.
Uma das motivações para o experimento foi um artigo publicado em fevereiro de 2010 no Cleveland Clinic Journal of Medicine por um grupo norte-americano. O trabalho destacou o caso de um paciente que foi diagnosticado com Parkinson aos 56 anos de idade, mas que já aos 52 anos apresentava sintomas periféricos e redução de dopamina no coração.
“Os autores descreveram a cronologia da evolução da doença desde sua origem até a manifestação clínica e os resultados comprovaram uma origem periférica. O papel do sistema nervoso autônomo na origem da doença está sendo também investigado por pesquisadores na Alemanha e no Japão. Estamos dando nossa contribuição a essa linha de pesquisa, que tem como horizonte a descoberta de marcadores biológicos precoces para a doença”, disse Coppi.
O cientista ressalta que os neurônios não são células exclusivas do cérebro: eles estão presentes também em órgãos como o estômago, o intestino, a bexiga urinária e o coração, entre outros. A hipótese formulada pelo grupo é a de que esses neurônios do sistema nervoso autônomo periférico se apresentariam degenerados pela doença, afetando subsequentemente os órgãos inervados por eles, provocando assim sintomas periféricos inespecíficos, ou seja, a "fase silenciosa" da doença.
“Nesse contexto, os pacientes podem apresentar taquicardia, insuficiência cardíaca e picos de pressão alta e baixa, no caso do coração e vasos, incontinência urinária, no caso da bexiga, ou constipação intestinal, no caso do intestino, por exemplo. No nosso experimento, os camundongos apresentaram todos esses sintomas – que coincidiam com o relato de caso do grupo norte-americano”, afirmou.
Segundo Coppi, como a doença de Parkinson tem um componente genético importante, o histórico familiar combinado à detecção precoce dos sintomas periféricos podem ser um importante facilitador para diagnóstico precoce da doença.
“Evidentemente, nem todos que têm problema de coração, bexiga ou intestino vão ter a doença de Parkinson. Mas, se a pessoa apresentar esses sintomas inespecíficos e tiver parentes com a manifestação cerebral da doença, é importante que procure um neurologista para uma investigação mais detalhada do contexto”, afirmou.
Fonte: Fábio de Castro / Agência FAPESP
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